Platão, em seu clássico diálogo Fedro, denominou a linguagem como um phármakon. Verbete de origem grega, essa palavra em português pode assumir três significados distintos: remédio, veneno ou cosmético.
Em relação ao primeiro atributo – remédio -, Platão não se referia somente ao aspecto terapêutico-medicinal das palavras, mas também ao seu poder construtivo, de confortar, apaziguar conflitos e promover soluções. De fato, não há método de resolução de conflito que não se valha do uso das palavras. Seja por meio de reuniões, troca de e-mails ou conversas particulares. Em um ambiente já instável por uma tensão provocada pelo conflito de partes que não se entendem, a escolha das palavras utilizadas para transmitir argumentos e sugerir soluções deve ser precisa. As palavras, neste caso, devem ser encaradas e utilizadas como ferramentas que atenuarão a atmosfera de desentendimento, sua função é de esclarecimento e sobriedade.
O segundo significado do termo phármakon – veneno – trata da capacidade de destruir ideais, calar a voz de outros, fazer com que as pessoas se sintam desconfortáveis, humilhadas e inexista o diálogo. Assim como é das palavras o poder de inverter situações mal entendidas, é delas também a responsabilidade pelo surgimento desses desconfortos. Palavras são muito passíveis de serem mal-interpretadas. Da mesma forma como um ingrediente mal manipulado em uma fórmula química pode transformar um medicamento em um veneno, um pequeno deslize na maneira a qual nos valemos das palavras pode provocar o efeito contrário do que pretendíamos provocar. Esse é um cenário comum nas trocas de e-mails, em que o uso inadequado de um termo, a presença de erros gramaticais, de pontuação ou ortografia, por exemplo, podem gerar um mal-estar entre os copiados na mensagem.
As diferentes propriedades da palavra em tempos digitais fazem com que uma simples declaração de três palavras no twitter ou entonações mal colocadas durante uma entrevista gravada possam render repercussões negativas ou resultar até mesmo em processos jurídicos. As maiores vítimas têm sido as personalidades, que acabam tendo sua imagem vinculada ao que disseram ou deixaram de dizer. Para pessoas que trabalham diretamente com a exposição na mídia, isso pode significar perda de patrocínio, cancelamento de eventos ou convites futuros.
Em outros âmbitos profissionais, as declarações mal interpretadas podem chegar a render demissões por justa causa, ou se tornar motivo de fofoca. Com a ampla e rápida disponibilidade de registro alcançada pela tecnologia midiática atual, é importante sempre lembrar de que tudo que é postado nas redes sociais ou em outro meio digital fica registrado, não só nas máquinas, mas pelas pessoas que visualizam o conteúdo. E quase tudo que é registrado não é passível de mudança. Ou seja, equívocos em declarações ficarão sempre disponíveis e raramente serão esquecidos. Finalmente, o terceiro significado – cosmético – refere-se ao caráter persuasivo das palavras, já que por meio delas é possível maquiar ou enfeitar um sentimento, um pensamento, ou até mesmo um fato. É preciso um cuidado maior neste aspecto.
A capacidade de ler entrelinhas é uma habilidade essencial não só no âmbito profissional, mas em todos os aspectos da vida social. Questionar a mensagem e relê-la é imprescindível para a assinatura de um contrato, por exemplo. Essa propriedade da palavra nos atenta para um lidar menos ingênuo com relação a textos e com a mensagem que o emissor está nos transmitindo. Diante desses aspectos abordados e exemplificados, é possível observar que se torna essencial o domínio sobre uso das palavras. Não só a criação e elaboração de ideias estão vinculadas às palavras, mas também a interpretação e disseminação das mensagens.
Como podemos notar, o poder das palavras em transformar pensamentos e questões abstratas em mobilizações ou produções materiais é indiscutível. Nesse ponto, as acepções de Platão devem ser cuidadosamente observadas e lembradas constantemente. O sentido das palavras pode sofrer diversas modificações até chegar ao interlocutor. Pode se transformar, de remédio a veneno, de veneno à maquiagem. Por isso, a clareza e a coesão na comunicação oral e escrita devem procurar ser alcançadas, por meio da revisão constante de pensamentos e textos.
Por Mônica Bulgari, Rosângela Curvo Leite e Vivian Stella
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