Quais são as competências de liderança mais valorizadas? Foco em resultados. Visão de negócio. Busca pela excelência. Pensamento estratégico. Disciplina. Agilidade e produtividade. Domínio técnico. Essas são características que costumam vir à mente logo de cara quando falamos de bons líderes, certo? Curiosamente, no Fórum de Líderes 2018, realizado pela ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento), tais pontos sequer foram mencionados, ou ficaram discretamente em segundo plano, para palestrantes e quase 200 líderes vindos de empresas e de consultorias.
Para onde foram as competências de liderança que vêm acompanhadas de palavras como “resultados”, “metas”, “indicadores”, “estratégia”, “visão sistêmica”? É claro que ninguém é louco de dizer que elas podem ser ignoradas. No entanto, está evidente que as prioridades mudaram.
Para citar um exemplo, em uma atividade conduzida pelos consultores Paulo Alvarenga e Flora Alves, os participantes, divididos em grupos, discutiram e elegeram uma atitude/característica/competência que julgam ser essencial em um bom líder. Apareceram na lista: Disponibilidade Verdadeira, Autenticidade, Escuta Legítima, Simplicidade, Comunicação, Empoderamento, Integridade, Relacionamento Sustentável – entre outros termos 100% ligados a aspectos humanos.
Hoje, ao falarmos de bons líderes, pensamos primeiro em profissionais éticos, coerentes, íntegros, fiéis a seus valores; e depois, falamos de resultados. Visualizamos pessoas que sabem “dar o exemplo”, que “olham nos olhos”, que estabelecem vínculos e conexões confiáveis. Admiramos aqueles que sabem incluir, ouvir, dialogar, deixar de lado o celular para dar atenção a alguém. E por quê?
Algumas reflexões/hipóteses que podem ajudar no entendimento:
#1. Quanto mais a tecnologia avança, quanto mais velozmente as informações correm, quanto mais somos bombardeados por conceitos high tech como Inteligência Artificial, Ciência de Dados, Realidade Aumentada, Internet das Coisas, maior parece ser a necessidade de enxergarmos o que há de mais humano no ser humano. “Ser simples é vencer a complexidade”, disse Glaucimar Peticov, diretora executiva do Bradesco, durante sua apresentação.
#2. Nesse ritmo alucinante de vida e de trabalho, necessitamos de líderes que, em certas situações, sigam a velocidade oposta da maioria e dominem a incrível habilidade de desacelerar – e que, por gentileza, incentivem o mesmo em suas equipes! Desacelerar não é fácil e exige esforço, mas é fundamental se quisermos preservar a saúde de pessoas e negócios. Marcelo Madarasz, diretor de RH da Parker Hannifin, sabiamente falou sobre a importância das pausas, citando um excelente artigo escrito pelo Rabino Nilton Bonder que diz:
“As paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa (…) Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada.”
#3. Também estamos carentes de líderes que também são boas pessoas. Num passado não tão distante, bastava fazer bem feito e entregar, não importava como. Hoje, não mais. Vemos no Brasil (e talvez em grande parte do mundo) um imenso buraco nas lideranças políticas, religiosas, sociais, empresariais, esportivas. São infinitos os maus exemplos vindos “de cima” relacionados a condutas criminosas, antiéticas ou inadequadas. Ao sofrer as consequências na pele, estamos entendendo que não há mais espaço para o “rouba, mas faz”. Assim, não basta ser “apenas” um bom líder: é preciso também ser uma boa pessoa. Para onde você for, seja em qual cargo ocupar, a sua mochila dos “valores inegociáveis” precisa ser carregada. Até Barack Obama, um dos líderes mais admirados da atualidade, reforçou algo nesse sentido na ATD 2018 (Leia: Barack Obama na ATD: 8 lições do ex-presidente para o RH e para a vida).
Diante disso, líderes e liderados já perceberam que mudaram as prioridades relacionadas às competências de liderança e que é imprescindível resgatar e reforçar aquilo que só os seres humanos sabem fazer. Talvez tenha sido esse pensamento que levou 19 CEOs das maiores empresas do Vale do Silício a buscarem uma formação complementar na área de Humanas – informação trazida na palestra de Gil Giardelli, estudioso de inovação e Economia Digital, que também destacou: empresas dos mais diversos segmentos têm voltado suas estratégias para o conceito H2H – human to human. (Leia: Why 2018 will be the year of Human-To-Human Marketing)
Ou seja, não importa o que você vende, para quem você vende e qual é o nível de tecnologia envolvido no seu negócio: as relações (comerciais e não-comerciais) são sempre entre pessoas. E isso deve ser levado em consideração ao comunicar, planejar, agir, treinar e, claro: liderar.
Isso porque, ao fim, quando somos chamados para refletir e discutir sobre liderança, clamamos por gente em um mundo de cheio de máquinas. Nesse mundo doido, complexo, imprevisível, digital, diverso, polarizado precisamos, mais do que nunca, de pessoas que façam bom uso de suas competências humanas.
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