O preconceito e a exclusão das pessoas com deficiências (PCDs) é uma triste realidade que persiste durante séculos – algo tão antigo quanto o próprio processo de socialização do homem.
Na Idade Média, tanto os nobres quanto os plebeus tinham o direito de sacrificar os bebês que nasciam com alguma deficiência física, sensorial ou cognitiva. Acreditava-se, nessa época, que o deficiente era possuído por entidades malignas e, por isso, muito deles eram queimados na fogueira da inquisição, como forma de eliminar os demônios e purificar a alma.
Nos dias atuais, apesar das mudanças na legislação, com a criação da Lei de Cotas (8213/1991), e dos avanços conquistados, a plena inclusão dos portadores de deficiência na sociedade ainda tem contradições e desafios e, por isso, é um tema que merece toda atenção.
Uma das grandes contradições está relacionada à acessibilidade. Sem dúvida, cada vez mais há vagas para portadores de deficiência em estacionamentos e toaletes em shoppings, ônibus adaptados e rampas em ambientes públicos. No entanto, ainda há entraves de infraestrutura, que fazem com que portadores de deficiência travem uma “batalha” diária para se locomover nas ruas e dentro de diferentes estabelecimentos, nas escolas, empresas, lojas, prédios públicos. Muitas rampas são íngremes demais; nas ruas e a pavimentação nem sempre permite o deslocamento dessas pessoas.
Mas os desafios são ainda maiores quando se trata de inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho, pois a participação de pessoas com deficiência ainda é baixa. De acordo com o Censo de 2010, no Brasil, existem 6,5 milhões de pessoas com deficiência em idade produtiva, sendo que apenas 1,3 milhão está no mercado formal. Consequentemente, em média 40% das empresas não cumprem a Lei de Cotas para deficientes, que obriga as empresas com mais de 100 colaboradores a reservarem 2% a 5% de suas vagas para PCDs (dados da Superintendência Regional do Trabalho São Paulo).
Vale ressaltar que há ainda menos oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência intelectual (como a Síndrome de Down), muitas vezes, nem consideradas no processo de recrutamento e seleção de PCDs. Isso ocorre porque as empresas priorizam contratar pessoas com deficiências físicas ou sensoriais, por julgarem ser menos trabalhoso adaptá-las ao meio corporativo e preparar os demais colaboradores para lidarem com esses profissionais. Apenas 19,3 % das pessoas que se declararam possuir deficiência mental estão inseridas no mercado de trabalho.
O preconceito e a falta de informação sobre como lidar com a diferença levam algumas empresas a evitarem contratar PCDs. Há quem acredite que os profissionais com deficiência não têm a capacidade necessária para criar e seguir uma rotina “normal” de trabalho, prejudicando a produtividade e o andamento das atividades de outros colaboradores.
Apesar das dificuldades, o desafio da inclusão está começando a ser superado por algumas empresas que têm se dedicado ao aprimoramento de seus processos de contratação, de treinamento e de adaptação do ambiente de trabalho para esses colaboradores. Adicionalmente, essas organizações têm promovido ações que informam os outros colaboradores sobre as especificidades das deficiências e como lidar com os PCDs , na tentativa de facilitar o processo de inclusão.
Essas são ações louváveis. afinal, o trabalho possibilita a participação ativa dos PCDs na sociedade, a reconstrução da autoestima e da autoimagem, a criação de uma autonomia e, consequentemente, o reconhecimento social do indivíduo. A inclusão dos PCDs no mercado de trabalho tem um desdobramento adicional. No círculo familiar, eles são cuidados com todo o carinho familiar, sem a discriminação que existe na sociedade. Portanto, fazer parte de outro círculo de convívio, como o do trabalho, contribui para que o indivíduo saia da condição de dependência, crie seu próprio espaço e busque se firmar perante os colegas.
Assim sendo, a atividade profissional dos PCDs vai além dos ganhos financeiros, pois é por meio dela que essas pessoas podem ter oportunidades de demonstrar suas competências e desenvolver suas potencialidades. Por isso, é tão importante dar vez a esses profissionais que tanto podem contribuir para a melhoria dos processos e dos relacionamentos nas empresas.
Portanto, a inclusão é mais do que uma ação, é uma atitude, uma convicção que está relacionada à consciência e aos valores do indivíduo e da sociedade em geral.
Por Ana Paula Francisconi, Mônica Bulgari, Rosângela Curvo Leite e Vivian Rio Stella